Tuesday, March 25, 2008

tradução caseira da lebre


Aqui tudo é amarelo e verde.
Ouçam a sua garganta e a sua pele de terra,
a voz completamente seca dos pimentos
enquanto eles palpitam como anúncios.
Os pequenos animais do bosque
estão a levar as suas máscaras funerárias
para uma estreita caverna de Inverno.
O espantalho arrancou
os seus dois olhos como diamantes
e caminhou para a aldeia.
O general e o carteiro
tiraram as suas mochilas.
Tudo isto já aconteceu antes
mas nada aqui é obsoleto.
Tudo aqui é possível.

Por causa disto talvez uma jovem rapariga tenha despido
as suas roupas de Inverno e sentou-se
ao acaso num ramo de árvore
que está por cima de um lago no rio.
Ela foi vertida para o ramo,
rente à casa dos peixes
enquanto eles nadam para dentro e para fora do seu reflexo
e para cima e para baixo das escadas das suas pernas.
O seu corpo leva as nuvens até casa.
Ela está a olhar para a sua cara feita de água
no rio onde os homens cegos
vêm tomar banho ao meio dia .

Por causa disto
o chão, esse pesadelo de Inverno
curou as suas chagas e rebentou
com pássaros verdes e vitaminas.
Por causa disto
as arvores entregam as suas valas
e seguram pequenas chávenas de chuva
com os seus dedos esguios.
Por causa disto
uma mulher está ao pé do seu fogão
a cantar e a cozinhar flores.
Tudo aqui é amarelo e verde.

Com certeza que a Primavera vai permitir
que uma rapariga nua
se vire suavemente na sua luz solar
e não tenha medo da sua cama.
Ela já contou seis
flores no seu espelho verde verde.
Dois rios fundem-se debaixo dela.
A cara da criança enruga-se
na água e desaparece para sempre.
A mulher é tudo o que pode ser visto
na sua beleza animal.
A sua pele acarinhada e obstinada
permanece profundamente debaixo da árvore feita de água.
Tudo aqui é completamente possível
e os homens cegos também podem ver.



Anne Sexton



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Monday, March 24, 2008

tradução caseira da lebre


faço a minha cabeça, como costumava
de um saco de papel,
puxo-o até ao colarinho

desenho olhos à volta dos meus olhos
com picos roxos e verdes
para mostrar surpresa,
um nariz com forma de polegar

uma boca à volta da minha boca
esboçada pelo toque, e depois colorida
a vermelho mortiço.

com esta cabeça nova, o corpo
esticado como uma meia e exausto
poderia dançar outra vez; e se eu fizesse
uma língua, eu poderia cantar

um lençol velho e é Halloween;
mas porque é que pior ou mais assustadora
esta cara de cabeça de alfinete
de cabelo quadrado e sem queixo?

como um idiota, não tem passado
e está sempre a entrar no futuro
através das frestas de olhos, miope
e às apalpadelas com o seu grande sorriso,
um tentáculo de eterna felicidade

cabeça de papel, prefiro-te
por causa do teu vazio;
de dentro de ti qualquer
palavra ainda pode ser dita.

contigo eu poderia ter
mais do que uma pele,
um interior em branco, um reportório
de histórias por contar.
Um novo começo.


Margaret Atwood



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Thursday, March 6, 2008

diz que não sabe do medo da morte do amor
diz que tem medo da morte do amor
diz que o amor é morte é medo
diz que a morte é medo é amor
diz que não sabe



Alejandra Pizarnik



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Vem embora comigo, disse ele, vamos viver numa ilha deserta. Eu disse, eu sou uma ilha deserta. Não era o que ele tinha em mente.



Margaret Atwood



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Monday, March 3, 2008

tradução caseira da lebre

Para o ano dos loucos
uma oração


Ó Maria, frágil mãe,
ouve-me, ouve-me agora
embora eu desconheça as tuas palavras.
O rosário negro com o seu Cristo de prata
permanece por benzer na minha mão
porque eu sou a descrente.
Cada conta redonda e dura entre
os meus dedos,
um pequeno anjo preto.
Ó Maria concede-me esta graça,
esta passagem,
embora eu seja feia,
submersa no meu próprio passado
e na minha própria loucura.
Embora haja cadeiras
eu estendo-me no chão.
Apenas as minhas mãos estão vivas,
a tocar contas,
palavra a palavra, eu tropeço.
Uma iniciada, sinto a tua boca tocar a minha.

Conto contas como ondas,
a baterem sobre mim,
estou doente com o seus números,
doente, doente, no calor do verão
e a janela por cima de mim
é a minha única ouvinte, o meu ser estranho
ela é uma larga recebedora, uma mitigadora.

A dadora de respiração
ela murmura,
exalando o seu largo pulmão como um peixe enorme.

Cada vez mais perto
vem a hora da minha morte,
enquanto eu rearranjo a minha cara, volta a crescer,
cresce por desenvolver e com o cabelo liso.
Tudo isto é morte.
Na memória há um beco estreito chamado morte
E eu movo-me nele
como se fosse água .
O meu corpo não tem utilidade.
Jaz, enrolado como um cão na carpete.
Desistiu.
Não há palavras aqui senão as meio aprendidas,
o Avé Maria e o cheia de graça.
Agora entrei no ano sem palavras.
Anoto a entrada estranha e a voltagem certa.
Sem palavras elas existem.
sem palavras podemos tocar no pão
e ser-nos-á entregue pão
sem som.


Ó Maria, terna médica
vem com pós e ervas
Porque eu estou no centro.
É muito pequeno e o ar é cinzento
como numa casa de maquinas.
Dão-me vinho como dão leite a uma criança.
É apresentado num copo delicado com um bojo redondo e uma borda fina.
O vinho tem cor de breu, bafiento e secreto.
O copo ergue-se sozinho em direcção à minha boca
E eu reparo nisto e percebo isto
Apenas porque aconteceu.
Tenho este medo de tossir
mas não falo,
um medo de chuva, do cavaleiro
que cavalga para a minha boca.
O copo inclina-se sozinho
E eu estou em chamas.
Vejo dois finos fios a
queimarem-me o queixo.
Fui cortada em dois.

Ó Maria, abre as tuas pálpebras.
Estou no domínio do silêncio,
o reino dos loucos e dos adormecidos.
Há sangue aqui
E eu comi-o
Ó mãe do ventre
vim apenas pelo sangue?
Ó pequena mãe,
estou na minha própria mente.
Estou trancada na casa errada.


Anne Sexton


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